(Uma crônica à la Nelson Rodrigues)
Ah, meus caros, que espetáculo grotesco e infame presenciei ontem! Em frente à Igreja, templo sagrado que deveria purificar as almas, mas por onde esse trio de pecadores passou como se ela fosse invisível, tal a podridão moral que os consumia!
Imaginem, se é que vossas boas mentes podem visualizar semelhante horror próprio de almas corrompidas, uma bisavó - sim, uma bisavó, senhores! - com seus cabelos mais brancos que a própria inocência há muito assassinada neste mundo cruel, e com uma fragilidade que até as pequenas pedras da poeira do caminho a faziam cambalear, tentava alcançar os que iam à sua frente. Símbolo vivo de uma existência longa e sofrida, implorando - vejam bem, implorando! - para que o casal que ia à frente dela uns quatro metros já, a esperassem. E se para andar na rua precisa implorar, imaginem o martírio diário para conseguir um prato de comida das mãos desses carrascos domésticos!
E o que faziam seus supostos entes queridos? Ah, a comédia humana em seu ápice! Caminhavam à frente envoltos em seus mundanos interesses, tão indiferentes quanto um cadáver é à própria decomposição, à sorte da boa velhinha.
Ah, os miseráveis! Fugiam da obrigação sagrada de amparar a velha em seu caminhar trôpego, por algo mais vil, mais rasteiro, que a feiura de suas aparências. Eram escravos da carne, prisioneiros dos próprios hormônios! O casal à frente - caricatura viva da decadência moral de nossos tempos! - exibia seus corpos inflados pela vaidade doentia que contamina nossa época. A mulher, vestida como ume vitrine ambulante do pecado, um short tão minúsculo que mais parecia um cinturão de obscenidade, por onde escorriam deformidades de carne que fariam Dante rever seus círculos do inferno.
Ah, o homem! Que visão nauseabunda, que espetáculo de horrores! Uma aberração digna do mais sórdido circo, um Frankenstein moderno esculpido pelo próprio Belzebu em seus momentos de tédio infernal. Músculos deformados por químicas equinas, inchados como balões prestes a estourar, contrastando obscenamente com dobras de gordura que parecem rir da própria anatomia.
E as vestes? Meu Deus! Que ultraje ao bom gosto! Shorts imundos que já viram dias melhores em latas de lixo, camisas que mais parecem trapos esquecidos por mendigos, e tênis - se é que podemos chamar aqueles frangalhos de calçados - exalando um fedor capaz de despertar os mortos.
Este Adão decaído, junto à sua Eva deformada, fareja o sexo como cães no cio, arfando a cada passo, cegos e surdos para qualquer coisa além de seus impulsos mais baixos. São marionetes grotescas manipuladas pelos fios invisíveis da luxúria, dançando uma valsa macabra ao som de gemidos abafados e suspiros de desespero.
E o pobre rebento! Ah, criatura infeliz! Arrastado como um apêndice indesejado, uma lembrança viva do pecado que o gerou, condenado a ser a moeda de troca entre esse negócio entre as carnes ambulantes. Que tableau vivant mais deprimente! Que representação mais fidedigna da decadência humana!
São sombras de gente, cascas vazias preenchidas apenas por desejos animalescos. Tão obcecados com a carne que se esqueceram da alma, se é que um dia a tiveram. Neste palco grotesco da vida, eles não passam de atores medíocres em uma peça escrita pelo próprio Satanás.
E o pior? Nem percebem o quão patéticos são em sua dança macabra de obsessão vulgar, cegos demais pela luxúria para enxergar o abismo de depravação em que se afundam a cada passo desajeitado.
E a velha? Ora, a velha era apenas um estorvo, um lembrete incômodo da mortalidade que eles tanto se esforçam para ignorar. Ah, a velhinha! Linda em sua fragilidade digna, bradava com sua bengala como Moisés diante do Mar Vermelho para ver se abria um caminho no coração daquela gente que assim a esperaria para irem juntos, sabe Deus onde! Que Deus a guarde...
Mas nem o milagre divino poderia abrir caminho naqueles corações saturados de pecados. Quando passou por mim, sussurrou com voz trêmula: \"Esperem esta bisa\". Foi então que não me contive! Bradei aos céus: \"Diga a eles, minha cara, que só os cavalos vão na frente!\" E ela sorriu, meu Deus, com um riso que era ao mesmo tempo o choro de um anjo sofrido.
As boas maneiras, meus caros, não são meros caprichos de uma elite entediada. São a última trincheira contra a barbárie na vida cotidiana! São o único fio que ainda nos liga à civilização, o derradeiro suspiro de uma humanidade agonizante.
Que Deus tenha piedade de nós, pois se não temos sequer a pachorra de acompanhar uma idosa de 90 anos, com atenção, carinho e cuidado, que esperança nos resta? O que será de nós quando formos nós, é nós mesmos, você e eu, os velhinhos cambaleantes de amanhã, numa sociedade onde os jovens aprendem como educação de "berço", e diariamente a lição da indiferença e da crueldade?
Eis o verdadeiro teatro do absurdo, meus caros. E nós, todos nós, somos os atores principais desta vida diária moderna que pode ser trágica ou pode ser humanizada pela caridade do qual as boas maneiras são a sua primeira expressão.
Obs.: Cena da vida real, observada pela autora, escrita com ajuda da Inteligência Artificial para imitar o estilo de escrita do nosso querido Nelson Rodrigues
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