RETENÇÃO DE BENS EMPRESTADOS OU PERDIDOS
Definição e Natureza Teológica
A retenção deliberada de bens emprestados ou perdidos constitui um pecado que se define como "toda maneira de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não contrarie as disposições da lei civil". Esta transgressão manifesta-se especificamente na ação de "reter deliberadamente os bens emprestados ou objetos perdidos", configurando-se como uma forma particular de roubo.
O roubo, segundo a doutrina moral católica, representa a "usurpação do bem de outro contra a vontade razoável do proprietário". Esta definição abrange tanto a remoção oculta de algo alheio com a intenção de se apropriar da coisa e obter lucro dela, quanto a retenção indevida de bens que deveriam ser devolvidos ao legítimo proprietário. Quando a remoção é feita abertamente e com violência, denomina-se rapina, mas a essência da injustiça permanece idêntica.
Gravidade Moral e Natureza do Pecado
Pecado Grave Contra a Justiça
A retenção deliberada de bens emprestados ou perdidos constitui um pecado grave quando a matéria é objetivamente grave. A gravidade da matéria pode ser intrínseca ao ato ou devida às circunstâncias particulares. Esta gravidade é medida primariamente pelo dano causado à vítima, especialmente se ela for uma pessoa de recursos limitados e o dano for suficientemente grave para desequilibrar o orçamento familiar ou causar sérias dificuldades econômicas.
Ofensa a Deus e Destruição da Caridade
Este pecado constitui uma falta contra o amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, manifestando-se como um "apego perverso a certos bens". Representa uma desobediência e uma revolta contra Deus, expressando um "amor de si mesmo até o desprezo de Deus". O pecado grave, ou mortal, destrói a caridade no coração do homem, desviando-o de Deus, que é seu fim último. Nenhum mal é mais grave que o pecado, e nada tem piores consequências para o pecador, a Igreja e o mundo inteiro.
Morte Eterna e Exclusão do Reino
Se a caridade não for recuperada pelo arrependimento sincero e pelo perdão de Deus, o pecado mortal conduz à exclusão do Reino de Cristo e à morte eterna no inferno. A privação da comunhão com Deus e a incapacidade de vida eterna é denominada "pena eterna", representando a consequência mais grave possível da obstinação no pecado.
Consequências Pessoais e Sociais
Danos à Natureza Humana
A retenção injusta de bens alheios fere profundamente a natureza do homem e ofende a solidariedade humana que deve caracterizar as relações sociais. Este pecado impede o desenvolvimento e o aperfeiçoamento humano, corrompendo a capacidade natural de relacionamento justo e fraterno entre os membros da sociedade.
Geração de Vícios e Corrupção da Consciência
A repetição destes pecados, mesmo quando veniais, cria uma propensão ao pecado e gera o vício. Esta dinâmica viciosa obscurece progressivamente a consciência e corrompe a avaliação adequada do bem e do mal. A avareza, por exemplo, que consiste no desejo desordenado de bens materiais, pode conduzir sistematicamente à fraude e ao engano, criando um círculo vicioso de desonestidade crescente.
Obrigação de Restituição
A retenção injusta causa um grave dano ao próximo e, consequentemente, impõe o dever rigoroso de reparação ou restituição. A restituição representa a reintegração do prejudicado ao estado em que estaria se o ato injusto não tivesse ocorrido. Esta obrigação é grave e exige a reparação integral dos danos materiais previstos, constituindo uma condição indispensável para o perdão sacramental.
Exclusão da Comunhão Sacramental
Quem comete pecado grave, por não estar em estado de graça, não pode receber validamente a Sagrada Comunhão. Esta exclusão manifesta concretamente a ruptura da comunhão com Deus e com a Igreja, demonstrando a necessidade urgente de reconciliação através do sacramento da Penitência.
Mandamentos e Virtudes Ofendidas
Sétimo Mandamento
Este pecado ofende diretamente o Sétimo Mandamento: "Não Roubarás" (Êxodo ,1. Este mandamento proíbe categoricamente a apropriação indevida de bens alheios, estabelecendo o fundamento bíblico para o respeito à propriedade privada e aos direitos legítimos do próximo.
Décimo Mandamento
Também transgride o Décimo Mandamento: "Não Cobiçarás as Coisas do Teu Próximo" (Êxodo ,17). Este mandamento proíbe a cobiça dos bens alheios, que constitui a raiz psicológica e espiritual do roubo, atacando o problema em sua origem interior.
Virtudes Fundamentais Violadas
A retenção deliberada de bens emprestados ou perdidos viola múltiplas virtudes:
- A Virtude da Justiça: especialmente a justiça comutativa, que exige dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido segundo relações de igualdade e reciprocidade.
- A Virtude da Caridade: embora primariamente contra a justiça, pode também constituir um pecado contra a caridade, especialmente quando o dano causado é significativo para o próximo.
- A Virtude da Honestidade: que fundamenta a confiabilidade nas relações humanas e a integridade moral da pessoa.
Caminhos de Prevenção e Reparação
Arrependimento Sincero (Contrição)
O primeiro passo para superar este pecado consiste na contrição, que se define como "dor da alma e detestação do pecado cometido, com a resolução de não mais pecar no futuro". Esta contrição deve ser um ato firme e sério da vontade, brotando do amor a Deus ou, pelo menos, do temor das penas eternas.
Confissão Sacramental
O perdão dos pecados graves é concedido no sacramento da Reconciliação. A confissão requer a acusação voluntária e íntegra de todos os pecados mortais não confessados, incluindo o número e a espécie, bem como as circunstâncias que alteram a natureza do pecado. O confessor deve indagar prudentemente para assegurar a integridade da confissão, especialmente sobre o número e a gravidade subjetiva e objetiva dos pecados.
Restituição e Satisfação
Constitui um dever estrito e grave reparar o mal causado. Esta reparação inclui devolver os bens roubados, restabelecer a reputação daquele que foi caluniado e ressarcir ofensas e injúrias. A reparação deve ser feita o mais rapidamente possível e de forma proporcional ao dano causado.
No caso específico de roubo, se a restituição aos prejudicados diretos for impossível (por exemplo, por não serem identificáveis), os bens devem ser empregados em obras sociais e caritativas para que voltem ao "tráfego público". Importante notar que se a causa da restituição é duvidosa, não se deve impô-la como obrigação absoluta.
Propósito Firme de Emenda
É fundamental desenvolver uma "vontade deliberada e séria de não pecar mais". Esta disposição constitui uma condição absoluta para o perdão dos pecados. Para pecados veniais, basta um propósito firme e eficaz, mas não necessariamente universal, porém para pecados mortais o propósito deve ser firme e universal.
Fuga das Ocasiões de Pecado
Existe uma obrigação grave de remover as ocasiões próximas de pecado grave. Isto pode implicar evitar sistematicamente situações, pessoas ou ambientes que representem um perigo próximo de consentir a uma tentação. A prudência exige uma avaliação realista das próprias fragilidades e a adoção de medidas preventivas eficazes.
Combate aos Vícios Fundamentais
O combate eficaz a este pecado exige atacar suas raízes viciosas:
- Avareza: o desejo desordenado de bens materiais pode ser combatido pela consideração da transitoriedade dos bens terrenos e pelo exemplo de pobreza de Cristo, praticando a esmola e cultivando a confiança na Providência Divina.
- Orgulho: o desejo desordenado da própria superioridade constitui a raiz de muitos males e deve ser sistematicamente mortificado através da humildade e do reconhecimento da dependência total de Deus.
Meios Espirituais de Crescimento
A vida espiritual deve ser alimentada constantemente através da oração frequente e da frequência regular da Confissão e da Comunhão, que constituem meios eficazes para combater o pecado e progredir espiritualmente. Estes sacramentos fornecem a graça necessária para a conversão autêntica e a perseverança no bem.
Educação e Formação da Consciência
O confessor tem um papel fundamental em educar a consciência dos penitentes, ajudando-os a discernir a gravidade de seus atos e as obrigações que daí derivam. Esta formação inclui o exame particular de consciência para trabalhar em virtudes específicas ou erradicar defeitos morais. A educação moral deve enfatizar tanto a gravidade da injustiça quanto a beleza da virtude da justiça e da caridade fraterna.
Conclusão: Restauração da Ordem Moral
A retenção injusta de bens alheios constitui um pecado grave contra a justiça e a caridade, que exige arrependimento, confissão e, fundamentalmente, a restituição para reparar o dano causado e restabelecer a ordem moral. A Igreja oferece caminhos concretos de conversão que não apenas perdoam o pecado, mas restauram a dignidade do pecador e a harmonia das relações sociais.
O objetivo final não é meramente evitar a transgressão, mas alcançar a plena realização da vocação humana à justiça e à caridade, espelhando a justiça perfeita de Deus e contribuindo para a edificação de uma sociedade mais justa e fraterna. A misericórdia divina, unida à cooperação sincera do pecador, pode transformar até mesmo os mais graves desvios em oportunidades de crescimento espiritual e renovação moral.
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